CONSUMIMOS OU SOMOS CONSUMIDOS?
Há poucas décadas o capitalismo evoluiu da ênfase nos produtos para a produção em série, culminando na customização de produtos e serviços tentando satisfazer o consumidor e, conseqüentemente, a voracidade do capital. Em termos objetivos ganhou-se eficiência em todas as áreas da vida material: meios de transporte, eletro-eletrônicos, medicamentos, entretenimento e toda “parafernália” que nos garante conforto, comodidade e, principalmente, a tão almejada “qualidade de vida”.
Contudo, em função da satisfação material, perde-se a outra face da moeda, a dimensão imaterial: pensar livremente, agir conforme os próprios valores ou até mesmo sonhar. Tornamo-nos uma máquina de consumo programado, onde todos são induzidos a desejar as mesmas coisas. Somos adestrados para viver numa busca incessante dos meios de subsistência, que normalmente ultrapassa a necessidade propriamente dita. O indivíduo bem-sucedido tem um bom emprego, casa, carro, vida confortável e, claro, dividendos sempre ascendentes.
O sistema dita as regras, impõe valores, normas, comportamentos e cria desejos nos indivíduos. Passamos de sujeitos ativos para consumidores passivos; de objetivo final para um fim em si mesmo. O marketing acaba por descobrir que os desejos humanos são fontes infindas de lucros: “a galinha dos ovos de ouro”. Como um animal que só reproduz o que aprende, temos comportamentos previsíveis e manipuláveis, segundo Skinner. Assim, nesse engodo de agir instintivamente, sem refletir sobre nossas atitudes, chega-se ao ponto de indagar: consumimos para viver ou vivemos para consumir?
A tônica da vez não é vender objetos, e sim experiências. Descobriu-se que embalar o produto com uma áurea emocional é a garantia da fidelização do cliente. O produto cede lugar a uma infinita gama de significados inerentes à idéia que si faz do mesmo: não se vende mais um carro, mas um conceito de conforto, rapidez e segurança; produtos de beleza são as fontes do rejuvenescimento, ou juventude permanente. Pessoas não compram coisas, mas idéias. Essa nova dinâmica produtiva acaba gerando uma verdadeira revolução social, segundo Habermans:
Conservando, através do trabalho social, a sua vida, os homens criam ao mesmo tempo as suas relações materiais de vida, produzem a sua sociedade e o processo histórico no qual, juntamente com sua sociedade, também os indivíduos se transformam (HABERMANS, 1990, p. 119).
Sabe-se do caráter inevitável das nossas necessidades: comer, dormir, um abrigo... Porém, não se leva em consideração que a vida social, afeto, carinho, companhia, crenças e desejos são tão essenciais quanto o material. Acaba-se abrindo mão do próprio tempo, das relações interpessoais, do afeto, dos amigos e, principalmente, da família. Esta última, agora se adéqua às condições financeiras, ao egoísmo... o individualismo que o capitalismo inflige tem como conseqüências lares desfeitos, relacionamentos descartáveis. As pessoas são vistas como objetos que, depois de perder a utilidade, são postas no quarto de entulhos.
A disfunção social gerada pelo capitalismo exacerbado é um reflexo da condição imposta aos que se dedicam em dançar conforme a música. Trabalhamos mais, com menos qualidade de vida, pois escolhemos fazer algo que não traz realização pessoal; economizamos no bem-estar atual visando um futuro tranqüilo; esquecemos da efemeridade da vida e da incerteza do amanhã.
“Por isso desprezei a vida, pois o trabalho que se faz debaixo do sol pareceu-me muito pesado. Tudo era inútil, era correr atrás do vento”
Provérbios. 2:17.